Virgínia Quaresma (Elvas, 28 de dezembro de 1882 – Lisboa, 26 de outubro de 1973) foi a primeira jornalista repórter portuguesa. Para além de redigir notícias, distinguiu-se nos dois géneros que fazem a “passagem” para o jornalismo moderno, a reportagem e entrevista, e foi, juntamente com Berta Gomes de Almeida, uma das primeiras mulheres a licenciar-se em Letras em Portugal. Notabilizou-se também pelo seu ativismo em várias causas de cariz social e político, nomeadamente no republicanismo, pacifismo e feminismo, sendo uma das mais conhecidas e ativas vozes da luta pelos direitos das mulheres, a igualdade de género e a livre expressão sexual. Foi um dos rostos mais conhecidos do feminismo negro e da comunidade LGBT em Portugal, durante o início do século XX.
Nascimento e Família
Virgínia Sofia da Guerra Quaresma nasceu no Largo de São Domingos, da freguesia de Salvador, na cidade alentejana de Elvas, distrito de Portalegre, no dia 28 de dezembro de 1882, filha de Júlio César Ferreira Quaresma, oficial de Cavalaria do Exército Português que atingiria, posteriormente, o posto de general e seria comandante militar dos Açores, e de Ana de Conceição Guerra, doméstica, descendente de escravos africanos, natural de Elvas, sendo a mais nova dos três filhos do casal.
Tal como os seus irmãos, Eduardo e Carlos Alberto, ambos militares com fortes convicções republicanas, tendo o último participado nos eventos de outubro de 1910 e combatido contra as tropas de Paiva Couceiro em Trás-os-Montes, Virgínia adoptou desde muito cedo os mesmos ideais republicanos, começando a manifestar o seu interesse pelo ativismo social, com especial incidência na defesa de várias causas minoritárias como os direitos das mulheres, a igualdade de género e a livre expressão sexual, ao participar em numerosas sessões de propaganda republicana realizadas em vários centros escolares, assim como ao assumir publicamente a sua homossexualidade perante uma sociedade fortemente conservadora e religiosa, ainda antes do Regicídio de 1908.
Formação Académica
Decidida a quebrar barreiras e provar que não existiam profissões exclusivamente masculinas, aos dezoito anos decidiu prosseguir com os seus estudos e enveredou no curso do magistério primário pela Escola Normal Primária de Lisboa e, posteriormente, no Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tornando-se numa das primeiras mulheres a obter esse grau no país. Após, ao seguir carreira na área do jornalismo, tornou-se na primeira mulher a exercer essa profissão em Portugal e em 1918 foi uma das fundadoras de uma das primeiras empresas de publicidade para jornais do país, a Atlântida, que dois meses depois passou a designar-se como Escriptorio de Publicidade Latino-Americano e finalmente, um ano depois, como Latino-Americana. Rapidamente, tornou-se num dos nomes mais conhecidos e impulsionadores não só da primeira vaga do movimento feminista português como do feminismo negro de Portugal e do Brasil.
Carreira Jornalística e Ativismo em Portugal
Inicialmente, a sua carreira enveredou pela imprensa feminina, quando em 1906, enquanto trabalhava no Jornal da Mulher do periódico O Mundo, começou a publicar importantes e polémicos artigos de cariz feminista, apelando à empírica necessidade do direito ao voto, lei do divórcio, independência financeira para as mulheres casadas, direito de tutela dos filhos, igualdade salarial entre géneros e o acesso às mesmas profissões que os homens, para além de muitas outras reivindicações. Durante esse período, também publicou textos de crítica social, onde expôs casos sobre desigualdades de classes sociais, racismo, femicídio, violência contra as mulheres, maus-tratos a menores, alcoolismo e proxenetismo na sociedade portuguesa.
Um ano depois, em 1907, foi nomeada redatora principal e secretária da redação da revista Alma Feminina (1907-1908), dirigida pela ensaísta e poetisa Albertina Paraíso, especificamente voltada para o público feminino, tornando-se no principal órgão de informação do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas anos mais tarde. Durante esse ano, também colaborou no jornal Vanguarda, onde se gerou uma polémica ao escrever que o feminismo deveria ser adaptado à realidade portuguesa, pondo de parte “exaltações ridículas, ideias prematuras, combates tão violentos como inúteis“, sendo considerado por muitos um ataque à acção militante radical da sufragista Maria Veleda da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Nos anos seguintes, durante os primeiros anos da Primeira República, devido à sua notoriedade, Virgínia Quaresma rapidamente passou a colaborar em vários jornais diários de expansão nacional publicados em Lisboa, tais como O Século (1880-1977), onde trabalhou ao lado de Mayer Garção, Jorge de Abreu, Francisco da Silva Passos e Avelino de Almeida, alcançando o cargo de Chefe de Informações Gerais e Reportagens Especiais, e A Capital (1910-1938), notabilizando-se na reportagem de acontecimentos políticos, enquanto acumulava as suas funções de jornalista com as de professora de instrução secundária na Real Casa Pia.
Carreira Jornalística no Brasil
Partiu, de Paris, em 1912, com chegando ao Rio de Janeiro, Brasil, acompanhada pela escritora, jornalista e sua companheira Maria da Cunha, onde fixou residência até 1915.
No Brasil, Virgínia cobriu alguns casos de sensação, como o do homicídio de Anita Levy às mãos do seu marido, o poeta brasileiro João Barreto.
Durante esses anos, fez carreira nos dois países, trabalhou nos periódicos Correio Português, A Noite, A Época, Gazeta de Notícias, Correio da Manhã e Brasil-Portugal, acompanhando muitas vezes a polícia brasileira em diversas investigações e expondo o crescente número de crimes violentos contra as mulheres, mendicidade, abandono infantil e casos de corrupção dentro de grandes instituições públicas, tais como das próprias forças policiais. Apesar de ter ficado conhecida no Brasil pelo seu jornalismo investigativo, os jantares e saraus que organizava em sua casa, com figuras célebres da sociedade portuguesa e brasileira, eram frequentemente noticiados na imprensa cor de rosa.
Regresso a Portugal
A 10 de janeiro de 1917, Maria da Cunha faleceu. Virgínia Quaresma decidiu então regressar a Lisboa, onde se instalou no Hotel Palace e continuou a escrever e colaborar com diversos periódicos e revistas.
Cinco anos depois, em 1922, a convite de Óscar de Carvalho Azevedo, que havia conhecido durante a sua estadia em terras brasileiras, começou a trabalhar numa nova agência de notícias, a Agência Americana de Notícias, sendo nomeada diretora da sucursal de Lisboa.
Últimos Anos de Vida
Após a morte da sua companheira, Virgínia Quaresma regressou a Portugal nos últimos anos da década de 60, onde continuou a escrever artigos e a dar entrevistas para diversos jornais e revistas não só de Portugal e do Brasil, como de Espanha, França e dos Estados Unidos da América, sobre a importância do feminismo, a luta pela igualdade salarial e muitas outras batalhas pelos direitos da mulher em pleno século XX.
Virgínia Quaresma faleceu a 26 de outubro de 1973, na sua residência, situada no terceiro andar esquerdo do número 106 da Rua do Salitre, freguesia de São Mamede, em Lisboa, vítima de trombose cerebral, aos 90 anos de idade. Encontra-se sepultada no Cemitério de Benfica, em Lisboa.